terça-feira, 30 de setembro de 2008





Presenteísmo

 

 

 

Tal como ocorre no corpo humano, em uma empresa todos os órgãos e membros precisam funcionar adequadamente para que se alcancem os melhores resultados – a saúde do corpo ou, nesse caso, da organização. Quando um deles apresenta uma disfunção, todo o organismo sofre e tem de despender mais energia para suprir aquela deficiência. Algo semelhante acontece nas empresas quando ocorre o chamado presenteísmo. Ao contrário do absenteísmo – quando o empregado simplesmente não vai trabalhar –, no presenteísmo a pessoa comparece ao trabalho, mas não consegue produzir como deveria ou de acordo com o que se espera dela. Nesse caso, os gestores enfrentam uma dupla dificuldade: a primeira é identificar o problema – que não é tão visível como nos casos de absenteísmo; a segunda é mensurar os prejuízos em termos de produtividade. Por essas razões, o presenteísmo já está sendo considerado, especialmente nos Estados Unidos, um inimigo oculto da produtividade.


“O presenteísmo pode ser entendido como uma doença organizacional. Como ocorre em outras disfunções relacionadas ao trabalho em equipe, ele não pode ser analisado isoladamente”, afirma Beatriz Magadan, psicóloga organizacional e diretora da DRH Consultoria, de Porto Alegre. Na prática, o presenteísmo é decorrente de uma série de fatores que interferem na produtividade do empregado: o clima organizacional ruim, a falta de motivação para o trabalho e problemas de saúde – físicos ou psicológicos. Por isso, é muito mais complexo identificar o empregado “presenteísta” do que reconhecer o absenteísta ou, até mesmo, o workaholic – pessoa cuja vida pode, em casos mais graves, reduzir-se ao trabalho. Aliás, o workaholic pode ser um tipo de “presenteísta”, já que nem sempre sua produtividade e eficiência correspondem ao elevado número de horas trabalhadas.


O presenteísmo começou a ser estudado na França, na década de 50, e voltou à tona mais recentemente, quando as companhias perceberam que a próxima barreira da competitividade está nas mãos dos colaboradores. “As empresas já melhoraram os processos, a tecnologia e os modelos de negócios. Agora, o objetivo é maximizar a capacidade do capital humano”, destaca Henri Vahdat, sócio da área de capital humano da consultoria Delloite. No Brasil, o fenômeno ainda é pouco discutido e são raros os departamentos de recursos humanos que vêem nele uma ameaça à produtividade – e, em última instância, aos lucros. “Trata-se de um conceito muito refinado para o Brasil. Muitas empresas sequer oferecem condições básicas para o bem-estar no trabalho”, avalia o médico Alberto Ogata, especialista em economia da saúde e vice-presidente da Associação Brasileira de Qualidade de Vida (ABQV).


O professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e assessor de sindicatos de trabalhadores, Roberto Heloani, diz que, apesar da gravidade, o problema ainda não está na agenda das empresas ou das entidades dos trabalhadores. Na verdade, a maioria das companhias não percebeu que, além de ser mais custoso do que o absenteísmo, o presenteísmo pode afastar talentos e levar os executivos a um burnout – um estado de exaustão prolongada. Celso Camargo Campos, diretor da Apex Executive Search, lembra o caso de um executivo que estava com gastrite, mas não levou o problema ao departamento médico da companhia. “Ele se encontrava no auge da carreira e, como engenheiro, era um dos responsáveis pela implementação de um grande projeto de melhoria na companhia”, conta Campos. Com esforço, o executivo conseguiu levar o trabalho adiante sem que ninguém percebesse a doença. Até que, às vésperas do início da implantação de um determinado equipamento, ele constatou que a gastrite havia se transformado em úlcera. Resultado: foi obrigado a ficar 20 dias afastado e a empresa ficou sem a pessoa que mais entendia do projeto justamente durante sua implantação. “O século 19 foi da industrialização, o 20, do conhecimento e o 21 é o da agilidade. Mas isso só se consegue com pessoas saudáveis e atentas”, reforça Campos. Em casos como o do engenheiro, pode até ocorrer um efeito cascata: além de atrapalhar o rendimento de toda a equipe, a ausência do profissional pode colocar em risco o cronograma de um projeto importante.










 


Espante os fantasmas


Algumas medidas que a empresa pode adotar para evitar que o presenteísmo se instale na organização


Assegurar a correta divulgação dos fundamentos da empresa e debater esses indicadores com analistas e investidores


Fazer uma triagem no momento da contratação do funcionário para detectar problemas crônicos, mesmo se pequenos


Investir na saúde dos colaboradores, inclusive com terapia para combater a depressão e tratamento de dores e doenças crônicas


Educar os colaboradores para que procurem um médico e fiquem em casa quando estão com problemas de saúde


Implantar programas de apoio psicológico, emocional e de serviços, inclusive aos familiares, para reduzir as preocupações do trabalhador com assuntos extratrabalho


 


Para os especialistas em RH e gestores de empresas, o problema está em saber como combater o presenteísmo, evitando que ele se reflita nos indicadores de produtividade. “O primeiro passo é entender as razões, as causas do problema”, aponta Brett Gorovsky, da consultoria norte-americana CCH. Enquanto nos Estados Unidos a principal causa está relacionada ao fato de as pessoas terem excesso de trabalho (veja o quadro “As razões dos norte-americanos”), no Brasil, o medo de perder o emprego ainda é fator determinante. “Quando as pessoas estão inseguras, procuram marcar presença, trabalham além do expediente ou não tiram férias. Fazem isso por medo de ser demitidas. Ao mesmo tempo, esse temor as desmotiva nas suas atividades”, explica Heloani, da FGV. Isso acontece principalmente nas organizações que têm políticas de recursos humanos – critérios de admissão e demissão, por exemplo – pouco transparentes. Se uma pessoa foi demitida, é preciso que os motivos fiquem claros para todos os colaboradores.










 


Com dor e com sono


Principais causas de presenteísmo por problemas de saúde que reduzem o rendimento do trabalhador brasileiro


Dores musculares: 86%


Problemas de sono: 35%


Dores gastrintestinais: 26%


Fonte: Estudo ISMA-BR – International Stress Management Association – Brasil)


O medo ou a insegurança estão intimamente ligados a alguns dos principais tipos de presenteísmo. Um deles é o de clima organizacional, que resulta, quase sempre, da desmotivação ou da preocupação dos empregados com o próprio futuro no trabalho, especialmente nos períodos de dificuldade da empresa. O temor de que os líderes pensem que estão fazendo “corpo mole” leva muitas pessoas a comparecer ao trabalho mesmo com complicações de saúde, o que diminui sua eficiência. Por fim, é bastante comum que o cidadão bata o ponto, mas não consiga se manter focado em suas atividades porque está preocupado com problemas familiares – do filho doente ao aumento da mensalidade escolar. “É sempre complicado identificar e lidar com essas situações porque os responsáveis não têm como adivinhar o que está acontecendo com o trabalhador ou com sua família. Só depois de algum tempo, é possível perceber que o resultado do trabalho não é satisfatório”, afirma Ana Maria Rossi, presidente da International Stress Management Association Brasil (ISMA-BR). Pior: quando a empresa não está familiarizada com o conceito de presenteísmo, o resultado insatisfatório do trabalho pode provocar uma demissão equivocada ou o desperdício de um talento.


 


Presente, mas desmotivado


A falta de motivação relacionada ao clima organizacional é outra causa do presenteísmo. O professor Heloani, da FGV, cita o exemplo do choque do avião da Gol com o jato Legacy, em 2006, que resultou num dos maiores desastres da aviação brasileira. Segundo ele, a crise dos controladores que se seguiu ao acidente evidenciou vários sintomas de presenteísmo. Jornadas de trabalho extenuantes, falta de estrutura de apoio, ausência de clareza nos critérios de admissão e demissão, medo de punições e outros problemas faziam parte do dia-a-dia dos controladores, que trabalhavam desmotivados e sob pressão. Era o ambiente organizacional propício a uma crise de graves proporções.


Para evitar que dificuldades no ambiente de trabalho se transformem em causas de presenteísmo, a Milenia Agrociências, do Paraná, faz pesquisas de ambiente corporativo por área. Os resultados são discutidos no próprio setor e, depois, são apresentados e debatidos com todo o corpo funcional da companhia em uma assembléia anual. “Escutamos as sugestões e partimos para a ação. As pessoas confiam no nosso trabalho porque criamos um ambiente de companheirismo e de respeito”, afirma Jefferson Cestari, gerente de recursos humanos da Milenia. Para melhorar o clima no trabalho, a empresa também possui programas de controle do colesterol, de combate ao tabagismo e de ginástica laboral. As metas de produção são definidas em conjunto, pelo líder e pelos empregados de cada área, o que as torna mais realistas.







 

“As empresas e os colaboradores precisam enxergar o presenteísmo como um problema organizacional. Se uma pessoa adoece, significa que toda a organização está um pouco doente”


Beatriz Magadan
Diretora da DRH Consultoria


A desmotivação com o ambiente de trabalho pode ter diversas causas. Um funcionário que não vê perspectivas de crescimento na empresa, trabalha sob intensa pressão por resultados ou numa função que não lhe traz nenhuma satisfação tende a produzir cada vez menos. “Quando a pessoa percebe que não tem futuro, que está numa rua sem saída, ela começa a fazer o mínimo possível”, diz Ana Maria.


Outra razão que leva ao presenteísmo é a falta de comprometimento do colaborador, geralmente resultado da perda de identificação com a empresa, da falta de regras claras para avaliação do desempenho e, também, da ausência de uma liderança inspiradora. “Não podemos esquecer que comprometimento é fator fundamental para se alcançar os objetivos do grupo ou da empresa”, afirma Glaucy Bocci, consultora sênior de Leadership Transformation da empresa de consultoria Hay Group. Por isso, o líder deve funcionar como o termômetro do ambiente corporativo, motivador de mudanças e como aquele que gerencia o trânsito entre as atividades do presente e do futuro, e torna o cotidiano mais harmonioso.


“O líder deve ser como um pára-choque de automóvel. Afinal, é o ambiente que cria equipes de alta performance, não o trabalho, e as pessoas seguem os líderes”, reforça Vahdat, da Delloite. Mas não se pode esquecer que o líder deve dar o exemplo. Se ele for “presenteísta”, toda a equipe terá essa propensão – com resultados desastrosos para a companhia. Além disso, reforçam os especialistas, o clima organizacional ruim pode desencadear complicações mais graves, como depressão e, até mesmo, o abuso de drogas.

 

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Quem sou eu

Joinville, Santa Catarina, Brazil
Por Ricardo Toscano, Cirurgião-Dentista graduado pela Unifal, especialista em odontologia do trabalho pela UFSC, mestre em odontologia area de concentraçao em implantodontia cirurgica/protetica pelo Instituto latino Americano de Pesquisa e Ensino Odontologico,reabilitador oral clinico. Responsável técnico pelo Instituto Odontologico Toscano. Notícias,ferramentas e artigos na área de Reabilitação Oral com ênfase na interdisciplinaridade e multidisciplinaridade.